O ano era 1998 e o Corinthians havia se
classificado para a final do Campeonato Paulista. Gamarra, Gilmar Fubá, Silvinho,
Marcelinho Carioca e companhia iriam em busca do bicampeonato estadual contra o
5ão Paulo.
Nessa época eu já enchia os pacova do
pessoal de casa com um desejo claro: “quero ir num jogo do Corinthians”. O
fascínio por ter estado no Pacaembu em um jogo de Juniores em 1995 já havia
passado, o papo de que “estádio é um lugar muito violento pra levar criança”
não colava mais e eu queria porque queria (vejo hoje, com toda razão neste meu
querer) ir em um jogo do Corinthians.
Nessa época, ainda, os treinos cotidianos
dos jogadores profissionais do Corinthians eram realizados no estádio Alfredo
Schuring, dentro do Parque São Jorge, e eram (descobriram os meus pais) abertos
à torcida. O que, diga-se de passagem, permitia um contato muito mais estreito
entre jogadores, sócios do clube e torcedores em geral – a quem será que
interessa o refúgio em um centro de treinamento inacessível à sócios e torcida?
Meus pais, então, bolaram um plano, se
organizaram e, não querendo (ou não podendo, não sei) me levar a um dos jogos
da final, tapearam minha vontade me levando à Fazendinha para assistir ao
treino do sábado, véspera do primeiro jogo da final.
Não tenho muitas lembranças do treinamento
em si, só os jogadores correndo ao redor do gramado (quando o Gilmar fez um
positivo pra mim), a chegada de alguma torcida organizada (com batuques e
bandeiras) e um momento muito esperado: o fim do treino, quando os jogadores se
aproximariam do alambrado para dar autógrafos aos torcedores.
Havíamos levado uma camisa que eu tinha
(pirata, simples, que era o que cabia no bolso e na vontade de vestir uma
camisa do Corinthians) com esse intuito, de recolher nela algumas assinaturas.
Nem todos ficavam para este momento, é
importante dizer. Os que ficavam eram solícitos e atenciosos. Lembro-me de
interromper uma conversa do zagueiro Cris com um rapaz que vestia camisa dos
Gaviões da Fiel para lhe pedir um autógrafo em minha camisa – que não estava
vestida, mas na mão, para passar pelo alambrado. Ele a pegou, autografou, me
devolveu e voltou a conversar com o rapaz.
Lembro que havia um grande aglomerado de
pessoas em uma região específica do alambrado, pois, do outro lado deste,
Marcelinho Carioca concedia, sem pressas, autógrafos. Meu pai me posicionou em
um local distante da muvuca, orientou que eu não saísse de lá por nada, e se
enfiou no meio daquele mundaréu de gente (que nem deveria ser tão grande assim,
mas que, aos olhos do Gabriel de 9 anos, parecia gigante), e retornou de lá um
tempo depois, trazendo em mãos minha camisa com uma assinatura em azul ao lado
do símbolo do clube: “Marcelinho”, se lia na assinatura.
Além do Cris e do Marcelinho, Vanderlei
Luxemburgo, técnico da equipe, e Didi, que se não me falha a memória fez as
vezes de “talismã” nalgumas partidas daquele ano, também colocaram seu nome em
minha camisa.
Durante anos esta camisa ficou sumida.
Depois de anos ela reapareceu. E durante um outro grupo de anos, ela me era um
troféu, mostrava para amigos que iam em casa, falava sobre ela quando era
oportuno (ou nem tão oportuno assim). Certa vez tentei enquadrá-la, mas não deu
certo. E decidi por bem a guardar em uma caixa junto com outras tantas camisas
do Corinthians que já não me servem mais – não sei o que vocês fazem com as
camisas que ficam pequenas, eu guardo, vai que um dia vem uma nova geração para
vesti-las...
Porém, o motivo da escrita deste texto não
é enaltecer esta tão histórica – para mim – camisa, mas sim comentar sobre a
perda do “supertrunfo” em seu peito.
Nas confusões eminentes da minha mais
recente mudança (a saída de uma casa em Marília, para duas em São Paulo) ela
foi colocada para lavar juntamente com outras peças de roupa. E então, aquele
traço contínuo e fino, que formava em letra de mão corrida, a palavra
“Marcelinho” se foi pelo ciclo de lavagem de uma moderna máquina de lavar e
centrifugar roupas.
A materialidade que comprova que um dia
Marcelinho Carioca (ídolo de minha infância, cujo modo de comemorar gols tantas
vezes imitei para celebrar aqueles que eu marcava) pegou uma camisa minha em suas
mãos e imprimiu sobre ela o seu nome, a sua assinatura, a sua marca, não mais
existe.
Deste fato material restam apenas as
lembranças inocentes de um garoto cujos pais faziam o que podiam (entre a
escassez financeira e os típicos problemas domésticos) para contemplar suas
vontades de ser Corinthiano.
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